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Crônicas

Pouca Prática

Luiz Fernando Panico. (*)


Naquela fria madrugada de inverno, os plantonistas, não escalados, descansavam após exaustivas horas de trabalho. Faltam quinze minutos para que meu tempo de sobreaviso termine quando percebo o responsável pela telefonia entrando no quarto. Ansioso, ouço-o dizer, com sua voz de barítono:

- Doutor Panico, tem um “chamadinhoâ€. Engraçado, o barraco, e a rua tem o mesmo número treze.

- Onde fica isso?

- Na Chácara do Céu, no Morro dos Cabritos. O doutor terá a oportunidade ver a lua de perto. Amanhã cedo, quando o senhor sair do plantão, não se esqueça de fazer uma fezinha, galo na cabeça. Assim o doutor poderá comprar um jaleco novo.

Depois de olhar para o meu jaleco surrado, percebi que esse companheiro de luta estava precisando de descanso. Deixei os questionamentos de lado e me dirigi à portaria do Posto para compor a equipe. Não surpreso, me deparo com o Conceição, o motorista da ambulância, já presente. Ele era uma pessoa boníssima, mas que convivia com uma particularidade desagradável: expelir saliva quando falava. Depois de perceber que ele tinha somente três dentes no lado esquerdo do maxilar inferior, compreendi o porquê a sua saliva encontrava uma avenida no lado direito da boca, que acabaria encontrando uma única barreira, a pessoa que estava a sua frente.

Antes que ele falasse algo, dei um passo à direita e, em seguida, insinuei num tom de ironia:

- Nesse curto espaço de tempo, acabo de me tornar um reacionário de direita.

Encabulado, Conceição perguntou-me se conhecia o Benito, o novo auxiliar de enfermagem.

Como ele não havia sido apresentado, achei que deveríamos esperá-lo na ambulância. Demorou pouco tempo para que Benito aparecesse carregando a maleta de medicamentos. Era um jovem, moreno, magro, de estatura mediana. Receoso de ser a nova vítima da saliva do Conceição, ele abriu a porta da ambulância e disse:

- Acho melhor o doutor sentar ao lado do motorista. Assim o senhor não receberá o vento frio da madrugada.

- Consciente de que seu desejo era me tornar um escudo, agradeci a “gentilezaâ€.

Durante o trajeto, sem dar oportunidade para que para que fosse interrompido, Benito passou a contar uma história comovente da sua infância. Ao observar a sua astúcia, murmurei:

- Ele não deverá ser enfermeiro por muito tempo.

Ao parar a ambulância no “pé do morroâ€, com um discreto sorriso, Conceição disse:

- Onde a ambulância não pode ir, o doutor e o seu auxiliar vão.

Evitando pisar no esgoto, que corria céu aberto, seguimos numa fatigante caminhada morro acima. Ao chegarmos ao endereço, após me identificar, tivemos permissão para entrar. Naquele ambiente desolador, estava um senhor deitado, com hálito de quem havia tomado toda aguardente de uma garrafa na cabeceira de sua cama. Com a mão apontada para o estômago, suplicou:

- A dor é aqui, doutor.

Depois de examiná-lo, orientei Benito sobre a medicação a ser aplicada. Num tom de voz baixo, ele disse:

- Veja que a “manguaça†é capaz de fazer! Deixa o “boneco“ comigo, doutor.

Enquanto vou saindo para respirar o ar fresco da madrugada, ouço um grito ensurdecedor vindo do barraco. Preocupado, perguntei ao meu auxiliar o que havia ocorrido.

- Pouca prática, doutor.

Ciente do corrido, Conceição se encarregou de espalhar aos funcionários do Posto. Desde então, Benito passou a ser chamado pelos colegas de “Pouca Práticaâ€.

No plantão seguinte, me deparo com Conceição, com uma expressão de espanto:

- Doutor, o homem é uma fera. O Benito conseguiu a sua transferência para o Setor de Manutenção.

Muito requisitado, Benito passou a ser chamado de Bendito, mas devido à qualidade do seu serviço ele receberia alcunha de Maldito.

Certo dia, surpreso, deparo-me com o Benito de paletó e gravata na portaria do Posto. Depois de cumprimentá-lo, ele externou que estava vivendo um bom momento na sua nova atividade. Ao me despedir, um tanto confuso, perguntei-me:

- Seria uma realidade o que acabara de ouvir?

Depois de um momento de reflexão, externei, num tom murmúrio:

- Porque não acreditar, afinal, todos nós fomos um dia “pouca práticaâ€.




(*)Ginecologista /Obastetra


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