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Crônicas

Tonico negrinho morreu?

Dr. Luiz Fernando Panico (*)



Com seu jeito moleque lá vinha ele todo sapeca. A presença na porta de sua casa de uma vítima de suas peraltices fazia com que Tonico se embrenhasse num terreno arborizado do outro lado da rua. Ante ao prenúncio de um novo castigo, com a sutileza de um gato, ele pulava o velho portão que dava para o quintal e ficava abraçado aos galhos da velha mangueira a espera do pai. Assim era a vida das crianças daquele lugarejo, que externavam a alegria de viver o seu jeito de ser.

Aos domingos, após a missa das oito, as famílias se reuniam na praça da igreja Matriz. Não raro eram interrompidas pelo prefeito que desfilando no seu moderno “Fordinho Bigode†aproveitava a ocasião para “cumprimentar†os seus eleitores. Ao se deparar com Tonico Negrinho, perguntava:

- Com vão os estudos do menino?

- Quando eu crescer, vou ser como o Sinhô.

O prefeito se despedia, murmurando:

- Eta negrinho danado!

Com o passar dos anos Tonico Negrinho tornou-se um homem admirado pelas donzelas da região. Não tardaria em se casar com uma bela moça na igreja principal da cidade. Entre suspiros e acenos ele entrou na igreja num terno de linho branco e acompanhado de sua mãe, uma antiga escrava.

Não demorou muito para nascer o primeiro filho. Após o jantar, ele se debruçava na janela para mostrar às pessoas que passavam pela calçada a sua preciosa jóia. Quando o relógio marcava oito horas da noite as famílias se recolhiam para reunir à frente do rádio para ouvir mais um capítulo do “O direito de nascerâ€.

Certo dia, uma nova faceta do então menino peralta iria se espalhar pela cidade: uma jovem de cor apareceu perante o Juiz da Comarca para entregar uma criança cujo pai seria Tonico Negrinho. Desde então, quando aparecia uma mulher solteira com uma criança no colo, a suspeita recaia sobre ele. Quando questionado dizia, com um discreto sorriso:

- Eram apenas afilhados.

Com o passar dos anos ele veio ocupar o cargo de administrador de obras da prefeitura. Não se esquecendo da infância, conseguiu convencer o prefeito a construir no terreno, que ficava à frente da antiga casa de seus pais um local agradável para as crianças brincarem. Mais tarde, esse espaço receberia o nome “Parque da vidaâ€, uma referência às crianças do seu tempo que usava aquela área para questionar os desejos de ser adultos precoces.

Num final de semana de céu escuro e chuvas intensas, um alvoroço tomou conta da cidade: a morte súbita de Tonico Negrinho. Desde então uma pergunta não queria calar os moradores daquele lugarejo: o que teria levado à morte um homem tão forte? As suspeitas recaiam sobre as dificuldades que ele teria para sustentar os seus inúmeros “afilhadosâ€.

Desejando conhecer alguns detalhes daquele momento, compareci ao seu velório de Tonico Negrinho. Depois de cumprimentar os familiares, procurei um local onde pudesse ter uma visão melhor das pessoas que participavam ativamente do funeral.

Naquela época, era costume dos afilhados, num gesto de gratidão, colocar dinheiro no caixão do padrinho que se despedia desse mundo. Quanto faltava alguns minutos para encerrar a cerimônia formou-se uma fila, que não era pequena, de jovens acompanhados de suas mães. Surpreso, murmurei:

- Não é que o povo tinha razão.

O último deles era um jovem cujas feições lembravam Tonico Negrinho. Ao se aproximar do caixão, beijou o rosto do falecido, contou o dinheiro deixado pelos outros afilhados e colocou no bolso. Em seguida, assinou um cheque e deixou junto às mãos do padrinho.

Ao meu lado, um antigo funcionário da prefeitura, perguntou-me:

O sinhô acha que o Tonico Negrinho vai encontrar um banco aberto no céu?

Após lhe fazer uma expressão de que não tinha resposta para sua indagação, me despedi e fui para casa.

Depois de alguns anos de ausência, voltei a minha cidade natal. Nas conversas com as pessoas amigas, percebi que a figura do então menino peralta ainda estava viva na memória dos antigos moradores. Quando voltei ao hotel, comecei a folhear o jornal da região, de tiragem semanal. Ao me deparar com uma matéria que enfocava a inauguração pela prefeitura de uma casa de assistência as crianças da periferia, doada pelos descendentes do velho Tomé, murmurei num tom reflexivo:

- Certos acontecimentos marcam essa família. Depois da inauguração do Parque da vida, a casa para as crianças carentes; Tônico Negrinho não morreu.


(*)Ginecologista / Obstetra



PS: Tonico negrinho foi um personagem da minha juventude. Ainda criança, morando na periferia da cidade, era comum encontrar homens de cor indo para roça com a enxada no ombro. Quando jovem fiquei surpreso com a presença de um homem de cor ocupando cargo de chefia na prefeitura. Desconhecendo a infância de Tonico Negrinho inseri nessa crônica uma parte inesquecível da minha vida.





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