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Euclides da Cunha

OS JAGUNÇOS (1898): CONFLITOS HISTÓRICOS E A PERSONAGEM DE FICÇÃO

Adenilson de Barros de Albuquerque (*)
Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
de Estudos da Linguagem - Políticas linguísticas: diálogos, identidades e fronteiras
UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Cascavel-PR | 14 a 16 de maio de 2012 | ISSN 2178-8200
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OS ‘JAGUNÇOS (1898): CONFLICTOS HISTÓRICOS Y EL PERSONAJE DE
FICCIÓN

(*)Adenilson de Barros de Albuquerque, Universidade Estadual do Oeste do Paraná/Cascavel
Bolsista Fundação Araucária
Gilmei Francisco Fleck, Universidade Estadual do Oeste do Paraná/Cascavel


Resumo: O presente trabalho visa demonstrar o percurso e as características da personagem
Luis Pachola, figura central em Os jagunços (1898), de Afonso Arinos. Tendo como base
postulados teóricos acerca das narrativas que se apresentam no limiar entre a História e a
ficção, é possível verificar que a narrativa em questão se enquadra, em grande medida, à
modalidade aceita por muitos estudiosos sob o nome de romance histórico tradicional. Suas
peculiaridades, assim, o diferenciam de outras modalidades como o novo romance histórico
(AÃNSA, 1991; MENTON, 1993), a metaficção historiográfica (HUTCHEON, 1991; FLECK,
2007) e o romance histórico contemporâneo de mediação (FLECK, 2008). Anterior à
publicação do clássico Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha, Os jagunços é um dos
primeiros, senão o primeiro, dentre uma quantidade considerável de textos
histórico/ficcionais, que têm como tema a Guerra de Canudos.
Palavras-chave: Romance histórico; Narrativas canudenses; Luis Pachola.
História, Literatura e Canudos no Brasil do século XIX
Desde 1822, quando o Brasil é declarado independente de Portugal, as manifestações
literárias de poetas e romancistas tornam-se as principais vias para a busca e representação de
elementos que fundamentassem a identidade brasileira. Fazia-se necessário que as
características da recente nação fossem, então, expostas sem as amarras impostas pelo
colonialismo luso. Assim, num primeiro momento, dedicou-se considerável atenção a quem

Adenilson Barros de Albuquerque - Mestrando em Letras na Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE/Cascavel). Bolsista da Fundação Araucária. Colaborador do Projeto de Extensão: “Estudos das
Teorias Contemporâneas de Análise Literáriaâ€, vinculado ao Programa PELCA – Programa de Ensino de
Literatura e Cultura. Integrante do grupo de pesquisa “Confluências da Ficção, História e Memória na
Literaturaâ€. E-mail: adenilsonbar@gmail.com.
Gilmei Francisco Fleck - Professor Adjunto da UNIOESTE/Cascavel na Graduação e Pós-graduação em
Letras nas áreas de Literatura e Cultura Hispânicas. Doutor em Letras pela UNESP/Assis. Vice-líder do grupo de
pesquisa “Confluências da Ficção, História e Memória na Literaturaâ€. Coordenador do PELCA: Programa de
Ensino de Literatura e Cultura. Coordenador do Projeto de Pesquisa Básica e Aplicada “Gêneros ficcionais
híbridos da modernidade: outros olhares sobre o passado da Américaâ€, financiado pela Fundação Araucária. Email: chicofleck@yahoo.com.br.Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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seria “genuína e verdadeiramente brasileiroâ€, isto é, aos autóctones que nessas terras já
habitavam bem antes da chegada dos europeus. Gonçalves Dias, na poesia, e José de Alencar,
na prosa, são os maiores representantes dessa tendência. Suas escritas são elaboradas aos
moldes do Romantismo em que “[...] os mitos assumem um sentido quando postos na
constelação cultural e ideológica a que servem†(BOSI, 1984, p. 116). Mesmo como “nação
independenteâ€, é importante lembrar que as correntes teóricas e estéticas predominantes em
países importantes do continente europeu continuavam influentes não só no Brasil como em
toda a América Latina. Isso pode ser verificado, apesar do risco das generalizações, em todo o
século XIX e, em grande medida, no século XX. Sob a influência de teorias, especialmente
surgidas a partir do século XVIII, as quais defendiam o estado de pureza e superioridade
exemplificado por meio de povos representantes da Europa Ocidental, aquela gente com
características de lusos e ao mesmo tempo de autóctones ou de africanos, logo, mestiça,
deveria ser encarada indiscutivelmente como inferior física e intelectualmente. Não se admitia
que, exatamente daquele encontro fertilizador, emergisse uma nova civilização num mesmo
processo inexorável em que surgiram todas as outras na história da humanidade, como bem
expõe Arturo Uslar Pietri (1990).
Contudo, não se deve negligenciar que essa influencia discursiva importada não
encontrou no Brasil ou na América Hispânica terreno propício para ser reeditada tal e qual
suas atribuições no Velho Mundo. Desde os primeiros encontros entre autóctones e europeus,
passando pelo acréscimo cultural e biológico dos africanos, vem se delineando nessas
paragens constituições híbridas carentes de um olhar atento para que seus aspectos,
irrevogavelmente plurais, não caiam no simplismo de molduras teóricas formuladas sob
pressupostos distantes e centralistas. Nessa direção, desde o começo, as manifestações
literárias de cunho romântico, realista, naturalista, etc., para além das características
apreendidas em textos estrangeiros, estão permeadas dessa hibridez que acompanha o modo
de ser latino-americano. Relembrando as palavras de Silviano Santiago (2000, p. 9-26), a
literatura da América Latina encontra-se num “entre-lugarâ€, isto é, entre o sacrifício e o jogo;
a prisão e a transgressão; a submissão ao código e a agressão; a obediência e a rebelião; a
assimilação e a expressão; “nesse lugar aparentemente vazio, seu templo e seu lugar de
clandestinidade, ali, se realiza o ritual antropófago da literatura latino-americanaâ€.Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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Parte dessa expressão literária no terreno de vertentes aparentemente díspares, mas em
confluência, está representada por narrativas híbridas construídas no limiar entre a história e a
ficção. Estas, de uma maneira ou de outra, também de acordo com pressupostos europeus.
Conforme aponta Fleck (2007, p. 150), “[...] uma das mais significativas contribuições do
Movimento Romântico do século XIX para a literatura foi, sem dúvida, o surgimento do
romance históricoâ€. A obra Ivanhoé (1819), de Walter Scott, é apontada por muitos estudiosos
como fundadora de um modelo de narrativa muito copiado por escritores de seu tempo. Numa
estreita proximidade temporal com o romance citado e exatamente no mesmo ano de Cinq
Mars (1826), de Alfred Vigny, publica-se o primeiro romance histórico latino-americano:
Xicoténcatl, de autor anônimo. Referindo-se a este último e ao romance de Vigny, Fleck
(2007, p. 151) escreve que ambos
[...] apresentam uma estrutura que destoa do modelo scottiano. Em
Xicoténcatl o núcleo central também se assenta em personagens e episódios
históricos reais e traz as figuras de Hernán Cortés e Malinche como
protagonistas. Reconta a história do encontro de dois mundos, na qual se
exaltam os tlaxcaltecas e os espanhóis são severamente denunciados, tema
que seguirá repetindo-se largamente no romance latino-americano.
Essa proximidade temporal entre tempo narrativo e tempo histórico, além da
participação de personagens históricas como figuras centrais da construção romanesca vão de
encontro ao modelo clássico elaborado por Scott. Este modelo foi sistematicamente estudado
e apresentado no estudo fundador de Georg Lukács intitulado Der Historische Roman (1955).
Márquez Rodrígues (1991) aponta quatro características principais do romance histórico
scottiano segundo Lukács. Estas, resumidamente, podem ser apreendidas, primeiro, com a
presença de um grande pano de fundo baseado em eventos de um passado histórico real
distante do presente do romancista. Nestes eventos, há a presença de personagens históricas
bem conhecidas que aparecem com suas características de acordo com os episódios “reais†da
sua vida; segundo, há uma história fictícia sobre esse pano de fundo como episódios e
personagens que não existiram na realidade, mas com aspectos de quem poderiam ter existido
por encaixarem perfeitamente dentro do contexto histórico de fundo. Seus valores e demais
elementos ideológicos e morais formam uma atmosfera histórica envolvendo os fatos
narrados; terceiro, dentro da história fictícia é bastante comum, mas não necessariamente, a Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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presença de um episódio amoroso, quase sempre desventurado, cujo desenlace pode ser pode
ser feliz ou trágico; por último, a história fictícia constitui o primeiro plano da narração em
que se enfoca a atenção central do romancista e do leitor. O contexto histórico original, como
já mencionado, funciona somente como pano de fundo. Mesmo assim, isto não significa que
sua importância seja secundária, já que estão nele os elementos primordiais que configuram a
atmosfera moral, o espaço e o tempo do relato.
À guisa de sistematização, considera-se o modelo elaborado por Scott sob a
designação de romance histórico clássico por, principalmente, não “tocar†na História
deixando-a temporalmente distante, além de ater-se num enredo ficcional protagonizado por
personagens também ficcionais. Já os romances que subjetivam o tempo histórico, trazendo
para o primeiro plano da narrativa os eventos e os personagens que de fato existiram,
apresentando, assim personagens históricas nos papéis centrais, como é o caso de Xicoténcatl
e de tantos outros publicados nestes moldes na contemporaneidade, podem ser considerados
romances históricos tradicionais. Somente a partir da segunda metade do século XX surgem,
na América Latina, novas formas de se representar a história ficcionalmente. De maneira
bastante inovadora se comparada ao romance histórico tradicional, estas vertentes foram
denominadas: novo romance histórico (AÃNSA, 1991; MENTON, 1993); metaficção
historiográfica (HUTCHEON, 1991) – este conceito foi sistematizado como uma modalidade
de romance histórico por Fleck (2007); e romance histórico contemporâneo de mediação
(FLECK, 2008).
No presente trabalho, pela sua extensão e pelo foco num romance brasileiro produzido
na última década do século XIX, Os jagunços (1898), entende-se como desnecessário
apresentar maiores explicações sobre estas últimas modalidades de romances históricos, de
caráter elevadamente crítico, para voltar-nos, primordialmente, ao que aqui se vem
escrevendo sobre as características do romance histórico clássico e do tradicional, limiar entre
o qual se localiza a produção do romance brasileiro em foco.
No Brasil, durante o século XIX, o escritor que melhor se enveredou na escrita de
romances históricos, foi José de Alencar. Em obras como O Guarani e Iracema, por exemplo,
há a proeminência de elementos históricos conjugados com outros ficcionais. Estes romances
considerados indianistas se aproximam das características do que se expôs como sendo Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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romances históricos tradicionais. Acmeno Bastos faz um levantamento a respeito de outros
autores que por aqui praticaram a escrita de romances históricos no artigo “O romance
histórico no Romantismo brasileiro (além de Alencar)â€
1
. Entretanto, já nas linhas iniciais de
seu texto, lê-se o seguinte:
Apesar da indiscutível proeminência de José de Alencar, outros autores do
Romantismo brasileiro também praticaram o romance histórico. Não tanto
quanto seria de esperar-se, levando-se em conta ter sido o romance histórico
uma das tendências do período e haver coincidido com o próprio surgimento
da ficção em prosa no Brasil, na primeira metade do século XIX. Na verdade,
a corrente leva nítida desvantagem quando confrontada com outras, tais como
o romance urbano, ou o romance regionalista, ou o romance indianista, tanto
em termos quantitativos quanto, sobretudo, em termos qualitativos.
Contudo, em grande medida ultrapassadas as produções ficcionais fundamentadas nos
pressupostos românticos e já largamente difundidos na América Latina os romances Realistas
e os Naturalistas, além das teorias cientificistas em voga no continente europeu desde a
primeira parte do século XIX, Afonso Arinos, sob o pseudônimo de Olívio de Barros, publica
o romance Os Jagunços (1898), o qual conjuga elementos ficcionais com a apresentação da
recente história da Guerra de Canudos (1896-7). Este livro, escrito sob encomenda do jornal
O Comércio de São Paulo no qual Arinos era editor desde o final de 1896, teve uma tiragem
muito pequena, sendo reeditado somente em 1969, na sua Obra Completa. Voltando ao
período de sua primeira edição, Gaburo (2009, p. 13) escreve que “[...] o jornal O Comércio
de São Paulo teve um papel importante na virada do século XIX para o XX por ter uma
posição clara a favor da monarquia e contrária à recém-criada República, posição
compartilhada por Arinos já antes de assumir a editoria do jornalâ€.
Os Jagunços é um dos primeiros textos, dos mais extensos em relação à expressiva
quantidade de artigos publicados no “calor da hora†(GALVÃO, 1994) focalizando a temática
da Guerra de Canudos. Para Thomas Beebee (2007, p. 3), o romance de Arinos, junto com O
rei dos jagunços (1899), de Manoel Benício, e Accidentes da guerra (1905), de Egmydio
Dantas Barreto “[...] são os três primeiros “factions†a tratar o assunto de Canudos. [...] estes
autores evitaram os gêneros (relativamente) “puros†da Reportagem e da História, recorrendo
em compensação a um gênero misto que acrescenta à suposta veracidade à imaginaçãoâ€. O

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Este artigo está disponível na página do autor na internet: www.acmeno.comAnais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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período da publicação dessas narrativas configura-se pelas mudanças de perspectivas e pelos
novos conceitos dentro da produção intelectual.
O fim da Guerra do Paraguai (1864-1870) encerra o período áureo do
romantismo e retoma uma agitação em torno da assimilação da consciência
de liberdade e independência. A Proclamação da República, a questão
religiosa em Recife e o fim da escravidão também concorreram para a
construção de uma nova literatura, mais realista, que revelava uma paisagem
menos romântica e mais atroz, ao mesmo tempo em que se acentuam as
discussões sobre identidade nacional, literatura nacional e nação. Essas
tendências que seguirão os intelectuais da literatura regionalista. (GABURO,
2009, p. 24).
Dentre esses acontecimentos que contribuíram para novas abordagens na produção da
intelectualidade brasileira, parece não ser incorreto afirmar que a Guerra de Canudos também
merece seu papel de destaque. A figura de Antônio Conselheiro, juntamente com seus
seguidores que se aglomeraram na fazenda abandonada de Canudos no ano de 1893, causou o
descontentamento de grandes proprietários de terra do sertão nordestino, da Igreja Católica e
dos representantes políticos da recente e ainda cambaleante República. Assim, após o
primeiro conflito entre pouco mais de uma centena de representantes da força policial com os
conselheiristas em Uauá, no final de 1896, e um segundo confronto destes com uma tropa sob
o comando do major Febrônio de Brito, outros dois ataques ao arraial de Belo Monte – assim
era denominada a comunidade do Conselheiro – foram organizados a fim de destruir aquela
organização de sertanejos “fanáticosâ€. O primeiro deles não logrou êxito, recuando após a
morte do seu comandante, o famigerado coronel Moreira César. Porém, as insistentes
investidas da quarta e última expedição sob o comando do general Arthur Oscar, em
aproximadamente quatro meses de muitas dificuldades em virtude, principalmente, da falta de
recursos médicos e alimentícios, derrotaria os quatro últimos defensores do arraial no dia 5 de
outubro de 1897.
As especulações em torno desse conflito entre as forças armadas republicanas e os até
então desconhecidos sertanejos repercutiram amplamente nos jornais brasileiros. Era quase
nulo o conhecimento que o “litoral letrado†do Brasil detinha sobre a composição geográfica e
demográfica do sertão. Assim, muitas acusações infundadas como a que pretendia relacionar
os seguidores de Antônio Conselheiro como fanáticos restauradores da Monarquia foram Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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largamente divulgadas. A configuração daquela gente que permanecia à margem da história
do Brasil há quase quatrocentos anos, só viria a ser apresentada ao grande público, porém não
satisfatoriamente compreendida, com o surgimento d’Os Sertões (1902), de Euclides da
Cunha. Essa obra foi bastante lida e discutida naquele período e ainda segue como motivo das
mais variadas interpretações na atualidade, ao contrário dos pouquíssimos estudos que foram
dedicados ao romance de Afonso Arinos que, se comparado a’Os Sertões, segundo Walnice
Nogueira Galvão (apud WEINHARDT, 1990, 49), Arinos e Cunha mostram
[...] pontos de aproximação (são contemporâneos, ambos moram em São
Paulo) e de distanciamento (pertencem a extração social diversa, freqüentam
círculos intelectuais diferenciados, têm opções políticas antagônicas),
detendo-se no confronto entre as obras, para concluir, sobretudo com base na
recorrência de imagens, ser provável que Euclides tenha lido e mesmo
utilizado o romance de Arinos como fonte ou ambos “se serviram de uma
outra fonte que deixou nas obras de ambos uma mesma e inconfundível
marcaâ€.
Uma das prováveis causas para a fraca repercussão do romance de Arinos e,
consequentemente, às poucas análises dessa obra, deve-se ao longo período que ela
permaneceu indisponível até sua segunda edição. Fatores como a abordagem da temática, a
linguagem empregada, o desenvolvimento da narrativa, etc., também podem ser analisados no
intuito de fundamentar especulações. Nesta direção, de acordo com o exposto até aqui,
buscar-se-á desenvolver uma análise d’Os jagunços para justificar alguns dos pontos
representativos dessa narrativa canudense.
Luis Pachola e a representação de um mundo
O romance Os jagunços, antes de sua publicação em livro, aparece em folhetins
diários no jornal O Comércio de São Paulo em outubro/novembro de 1897, isto é,
praticamente ao mesmo tempo do término da Guerra de Canudos. Dividido em duas partes, a
primeira tem quatro capítulos e ocupa cerca de um terço das páginas. Esta parte, concordando
com as palavras expostas por Weinhardt (1990, p. 51),Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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[...] decididamente fictícia, é toda dedicada a mostrar como é a vida do
sertanejo: meios de sobrevivência, estrutura social, festejos, princípios
morais, etc. É na segunda parte, composta de cinco capítulos, que se situa a
ação histórica. O fio narrativo é sustentado por uma personagem sobre a qual
não se encontra registro histórico, Luís Pachola, no princípio camarada de um
tropeiro e por quem desperta o coração da bela e faceira mulata Conceição,
protegida da família do fazendeiro que realiza a festa do Espírito Santo.
No capítulo inicial da primeira parte, intitulado “A encomendaçãoâ€, a personagem
Luís Pachola encontra-se, juntamente com seu patrão e um cachorro de nome Tigre,
pernoitando num rancho em que o terreno adjacente “[...] acompanhava a encosta de um
morro áspero e seco, onde apenas algumas touças de aça-peixe e moitas rareadas de capim
amarelento representavam a vegetação miserável†(ARINOS, 1985, p. 32). Nota-se já nas
primeiras linhas da narrativa o intento descritivo de peculiaridades da região, ainda em muitos
aspectos desconhecida pelos brasileiros do litoral, onde ocorreram os conflitos entre as tropas
republicanas e os conselheiristas. Além do lugar, o homem também recebe atenção especial
ao ser representado. A personagem Luís Pachola, de chapéu desabado na nuca e erguido na
fronte, tem no semblante tons de audácia e bravura. Sua altura é pouco mais que mediana, seu
peito é protraído, o rosto é oval e moreno e sua barba rala nas faces formam no queixo um
“capucho basto [...]. No seu passo macio, havia um bambolear de felino, que indicava ao
mesmo tempo a agilidade e a força†(ARINOS, 1985, p. 33).
Justificando a escolha do título desse capítulo, a personagem central do romance,
avisada pelos latidos inquietos do cachorro, depara-se com uma procissão em que as pessoas
se penitenciavam prostradas em terra com açoites. Para a personagem que representava o
patrão de Luís Pachola, “[...] aquilo é gente sem quefazer, que anda inventando esses ofícios
de defunto pelos cruzeiros do caminho†(ARINOS, 1985, p. 33). Percebe-se neste trecho
características representativas de alguns aspectos da particular religiosidade dos sertanejos
além do ponto de vista, por meio deste patrão ficcional que não era daquela região, de muitos
“coronéis†– grandes proprietários de terra – que não pensavam em outra coisa a não ser no
acúmulo, utilizando-se da mão de obra quase escrava dos sertanejos culturalmente
configurados de modo singular. Conforme Gaburo (2009, p. 34), a unidade narrativa d’Os
Jagunços é, em alguns momentos, “comprometida pelo excesso de descrições ou explicações, Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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que no caso específico tem a seu favor o fato de ter sido escrito a princípio para folhetim de
forma demasiadamente rápida, sem uma revisão necessáriaâ€.
Nas primeiras páginas desse romance, assim como nas posteriores, Afonso Arinos
busca contribuir para o conhecimento de uma significativa parte do Brasil. Este desejo já
havia sido expresso em artigo cujo título é “Campanha de Canudos†(O Epílogo da Guerra),
publicado no jornal O Comércio de São Paulo, em 9 de outubro de 1897, dia seguinte ao
anúncio da rendição dos conselheiristas. Demonstrando lucidez e recusando interpretações
imediatas, Arinos escreve que
[...] essa luta deveria merecer a atenção dos publicistas, para ser estudada,
não simplesmente na trágica irrupção e no desenvolvimento, mas em suas
origens profundas, como um fenômeno social importantíssimo para a
investigação psicológica e o conhecimento do caráter brasileiro. (apud
WEINHARDT, 1990, p. 50).
Ainda na primeira parte de Os jagunços, verifica-se a narração sobre a festa do Divino
Espírito Santo, na fazenda Periperi, onde muita gente da região comparece para os festejos.
Há descrições acerca das características daquele tipo de comemoração, das atividades dos
vaqueiros, além de introduzir-se no enredo o despertar da paixão que a personagem Luís
Pachola causa na personagem Conceição, jovem e bela sertaneja, e a morte trágica desta
última em decorrência dos ciúmes de Gabriel, personagem também representativa dos
vaqueiros extremamente envolvidos em tudo que lhes tocam nas questões de honra. É anterior
a estes acontecimentos, que aparece na fazenda uma figura singular com ares proféticos:
[...] apareceu no vão da porta o vulto magro e lívido do missionário. A barba
maltratada no rosto longo e escaveirado, a comprida samarra de algodão e os
pés nus, vacilantes, metidos em alparcatas de couro, denotavam as fundas
privações e o ascetismo. O dorso meio alquebrado e a cabeça inclinada, em
atitude de humildade, de quem esmola pelo mundo, pareciam espiritualizar
aquela figura esquia. Mas, nas têmporas proeminentes, nas maçãs pontudas,
no brilho estranho do olhar havia a energia brônzea do profeta e do
reformador. (ARINOS, 1985, p. 40).
Este personagem missionário o qual somente na segunda parte do romance é
explicitamente nomeado Antônio Conselheiro, impressiona Luís Pachola que, na sequência da
na narrativa, sente-se culpado pela morte de Conceição e acaba por deixar seu patrão, Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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tornando-se um dos seguidores do Conselheiro e figurando entre os principais representantes
do peregrino no arraial de Belo Monte. A vida nesta localidade e o desenrolar dos conflitos
contra as quatro expedições das forças armadas republicanas são descritas em cinco capítulos
cujos títulos são: “A cidade santaâ€; “A expediçãoâ€; “Os fanáticosâ€; “A guerraâ€; e “O último
redutoâ€. É importante lembrar que o termo fanático, segundo a análise de Gaburo (2009, p.
120-1), embora possa sugerir
[...] uma adesão de Arinos ao pensamento corrente na época de classificar os
sertanejos de Canudos como fanáticos religiosos, loucos, desordeiros, numa
apropriação negativa do termo fanático, o autor caminha na direção contrária,
não só no capítulo, mas em toda a obra. O fanático de Afonso Arinos está
longe dessa configuração de marginalização e se volta unicamente para a
adoração da figura do Conselheiro, numa adesão completa aos ideais divinos
que se entendia emanar da sua figura.
Apesar do romance não destoar em relação aos apontamentos de informações
“oficiais†das fontes relativas à história de um evento recente, quase simultâneo à escrita do
romance, Afonso Arinos parece conseguir, em muitos aspectos, demonstrar por intermédio da
ficção aquilo que, no seu artigo já mencionado, aparece como a necessidade de uma
investigação psicológica e do conhecimento do caráter brasileiro. Em Os Jagunços,
[...] o narrador utiliza o artifício para, personificado em Pachola, frisar o
caráter humanitário do sertanejo, com passado e com sentimentos, quando a
maioria dos artigos da imprensa contemporânea retratava-o semelhante ao
animal irracional. Os aspectos domésticos e pacatos do cotidiano na cidade
[no arraial] são reforçados pelos encaixes de episódios amorosos e cenas
familiares. (WEINHARDT, 1990, p. 53).
Esta breve exposição dos aspectos presentes no romance de Afonso Arinos, apesar de
omissa em relação a muitas abordagens presentes nos estudos quase solitários, porém
expressivos como os sugeridos no artigo de Weinhardt (1990) e na dissertação de Gaburo
(2009), parece ser suficiente para desenvolver uma abordagem sobre pontos que permitem
considerá-lo um romance histórico tradicional, com ressalvas à questão da distância temporal
requerida entre a realização dos eventos passados e a sua ficcionalização pelo romancista.
Diferentemente da abordagem clássica representada pelo modelo scottiano, na escrita de Os
jagunços percebe-se a concomitância do tempo histórico com o tempo narrativo. Como ficou Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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exposto, o período da Guerra de Canudos e o da publicação do romance são quase os mesmos,
impossibilitando o distanciamento entre as abordagens fictícias e históricas.
A personagem Luís Pachola, apesar de não constar entre as figuras historicamente
relacionadas aos conflitos, insere-se como representativa do sertanejo estudado por Euclides
da Cunha e largamente analisado segundo as mais diferentes formas de expressão até a
atualidade. Pachola é uma metonímia dos conselheiristas, das gentes desconhecidas do sertão
por mais de três séculos. Não é problemática se comparada ao seu meio. Mas desde seus
encontros e confrontos com as tropas militares de um governo distante, ele e os seus pares
deparam-se com o mundo longínquo representado pelo “litoral†e pelas grandes cidades se
comparadas com as pequenas vilas percorridas pelo Conselheiro desde a década de 1870. Luís
Pachola, se tomado como parte totalmente integrada de uma sociedade singular como é o
sertão nordestino na época da guerra, insere-se no modelo de personagem instaurado por
Lukács em A teoria do romance (2000). Representa um herói que está ao mesmo tempo em
comunhão e em oposição ao mundo. Segundo Brait (1993, p. 39),
[...] a nova concepção de personagem instaurada por Lukács, apesar de
reavivar o diálogo a respeito da questão e de fugir às repetições do legado
aristotélico e horaciano, submete a estrutura do romance, e consequentemente
a personagem, à influência determinante das estruturas sociais. Com isso,
apesar da nova ótica, a personagem continua sujeita ao modelo humano [...].
Os sertanejos fundamentados em questões religiosas, festivas e de honra, têm na figura
da personagem Luís Pachola um representante cujas características Afonso Arinos teve o
cuidado e a audácia de elaborar, lucidamente, segundo a evidência das marcas de uma guerra
marcada por contradições. Desde sua eclosão e término, pode-se considerar que o sertão
nordestino, apesar de permanecer em grande medida político, econômico e socialmente à
margem das atenções do Brasil nação, ganhou muito mais evidência. Romances como Os
jagunços, além de tantas outras narrativas que transitam entre à história e a ficção, vem
contribuindo para que aquela parte do país, culturalmente distinta, se integre com todos os
direitos à unidade plural do Brasil e do contexto latino-americano. Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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OS JAGUNÇOS (1898): CONFLITOS HISTÓRICOS E A PERSONAGEM DE
FICÇÃO
OS ‘JAGUNÇOS (1898): CONFLICTOS HISTÓRICOS Y EL PERSONAJE DE
FICCIÓN
Adenilson de Barros de Albuquerque, Universidade Estadual do Oeste do Paraná/Cascavel
Bolsista Fundação Araucária
Gilmei Francisco Fleck, Universidade Estadual do Oeste do Paraná/Cascavel
Resumo: O presente trabalho visa demonstrar o percurso e as características da personagem
Luis Pachola, figura central em Os jagunços (1898), de Afonso Arinos. Tendo como base
postulados teóricos acerca das narrativas que se apresentam no limiar entre a História e a
ficção, é possível verificar que a narrativa em questão se enquadra, em grande medida, à
modalidade aceita por muitos estudiosos sob o nome de romance histórico tradicional. Suas
peculiaridades, assim, o diferenciam de outras modalidades como o novo romance histórico
(AÃNSA, 1991; MENTON, 1993), a metaficção historiográfica (HUTCHEON, 1991; FLECK,
2007) e o romance histórico contemporâneo de mediação (FLECK, 2008). Anterior à
publicação do clássico Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha, Os jagunços é um dos
primeiros, senão o primeiro, dentre uma quantidade considerável de textos
histórico/ficcionais, que têm como tema a Guerra de Canudos.
Palavras-chave: Romance histórico; Narrativas canudenses; Luis Pachola.
História, Literatura e Canudos no Brasil do século XIX
Desde 1822, quando o Brasil é declarado independente de Portugal, as manifestações
literárias de poetas e romancistas tornam-se as principais vias para a busca e representação de
elementos que fundamentassem a identidade brasileira. Fazia-se necessário que as
características da recente nação fossem, então, expostas sem as amarras impostas pelo
colonialismo luso. Assim, num primeiro momento, dedicou-se considerável atenção a quem

Adenilson Barros de Albuquerque - Mestrando em Letras na Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE/Cascavel). Bolsista da Fundação Araucária. Colaborador do Projeto de Extensão: “Estudos das
Teorias Contemporâneas de Análise Literáriaâ€, vinculado ao Programa PELCA – Programa de Ensino de
Literatura e Cultura. Integrante do grupo de pesquisa “Confluências da Ficção, História e Memória na
Literaturaâ€. E-mail: adenilsonbar@gmail.com.
Gilmei Francisco Fleck - Professor Adjunto da UNIOESTE/Cascavel na Graduação e Pós-graduação em
Letras nas áreas de Literatura e Cultura Hispânicas. Doutor em Letras pela UNESP/Assis. Vice-líder do grupo de
pesquisa “Confluências da Ficção, História e Memória na Literaturaâ€. Coordenador do PELCA: Programa de
Ensino de Literatura e Cultura. Coordenador do Projeto de Pesquisa Básica e Aplicada “Gêneros ficcionais
híbridos da modernidade: outros olhares sobre o passado da Américaâ€, financiado pela Fundação Araucária. Email: chicofleck@yahoo.com.br.Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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seria “genuína e verdadeiramente brasileiroâ€, isto é, aos autóctones que nessas terras já
habitavam bem antes da chegada dos europeus. Gonçalves Dias, na poesia, e José de Alencar,
na prosa, são os maiores representantes dessa tendência. Suas escritas são elaboradas aos
moldes do Romantismo em que “[...] os mitos assumem um sentido quando postos na
constelação cultural e ideológica a que servem†(BOSI, 1984, p. 116). Mesmo como “nação
independenteâ€, é importante lembrar que as correntes teóricas e estéticas predominantes em
países importantes do continente europeu continuavam influentes não só no Brasil como em
toda a América Latina. Isso pode ser verificado, apesar do risco das generalizações, em todo o
século XIX e, em grande medida, no século XX. Sob a influência de teorias, especialmente
surgidas a partir do século XVIII, as quais defendiam o estado de pureza e superioridade
exemplificado por meio de povos representantes da Europa Ocidental, aquela gente com
características de lusos e ao mesmo tempo de autóctones ou de africanos, logo, mestiça,
deveria ser encarada indiscutivelmente como inferior física e intelectualmente. Não se admitia
que, exatamente daquele encontro fertilizador, emergisse uma nova civilização num mesmo
processo inexorável em que surgiram todas as outras na história da humanidade, como bem
expõe Arturo Uslar Pietri (1990).
Contudo, não se deve negligenciar que essa influencia discursiva importada não
encontrou no Brasil ou na América Hispânica terreno propício para ser reeditada tal e qual
suas atribuições no Velho Mundo. Desde os primeiros encontros entre autóctones e europeus,
passando pelo acréscimo cultural e biológico dos africanos, vem se delineando nessas
paragens constituições híbridas carentes de um olhar atento para que seus aspectos,
irrevogavelmente plurais, não caiam no simplismo de molduras teóricas formuladas sob
pressupostos distantes e centralistas. Nessa direção, desde o começo, as manifestações
literárias de cunho romântico, realista, naturalista, etc., para além das características
apreendidas em textos estrangeiros, estão permeadas dessa hibridez que acompanha o modo
de ser latino-americano. Relembrando as palavras de Silviano Santiago (2000, p. 9-26), a
literatura da América Latina encontra-se num “entre-lugarâ€, isto é, entre o sacrifício e o jogo;
a prisão e a transgressão; a submissão ao código e a agressão; a obediência e a rebelião; a
assimilação e a expressão; “nesse lugar aparentemente vazio, seu templo e seu lugar de
clandestinidade, ali, se realiza o ritual antropófago da literatura latino-americanaâ€.Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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Parte dessa expressão literária no terreno de vertentes aparentemente díspares, mas em
confluência, está representada por narrativas híbridas construídas no limiar entre a história e a
ficção. Estas, de uma maneira ou de outra, também de acordo com pressupostos europeus.
Conforme aponta Fleck (2007, p. 150), “[...] uma das mais significativas contribuições do
Movimento Romântico do século XIX para a literatura foi, sem dúvida, o surgimento do
romance históricoâ€. A obra Ivanhoé (1819), de Walter Scott, é apontada por muitos estudiosos
como fundadora de um modelo de narrativa muito copiado por escritores de seu tempo. Numa
estreita proximidade temporal com o romance citado e exatamente no mesmo ano de Cinq
Mars (1826), de Alfred Vigny, publica-se o primeiro romance histórico latino-americano:
Xicoténcatl, de autor anônimo. Referindo-se a este último e ao romance de Vigny, Fleck
(2007, p. 151) escreve que ambos
[...] apresentam uma estrutura que destoa do modelo scottiano. Em
Xicoténcatl o núcleo central também se assenta em personagens e episódios
históricos reais e traz as figuras de Hernán Cortés e Malinche como
protagonistas. Reconta a história do encontro de dois mundos, na qual se
exaltam os tlaxcaltecas e os espanhóis são severamente denunciados, tema
que seguirá repetindo-se largamente no romance latino-americano.
Essa proximidade temporal entre tempo narrativo e tempo histórico, além da
participação de personagens históricas como figuras centrais da construção romanesca vão de
encontro ao modelo clássico elaborado por Scott. Este modelo foi sistematicamente estudado
e apresentado no estudo fundador de Georg Lukács intitulado Der Historische Roman (1955).
Márquez Rodrígues (1991) aponta quatro características principais do romance histórico
scottiano segundo Lukács. Estas, resumidamente, podem ser apreendidas, primeiro, com a
presença de um grande pano de fundo baseado em eventos de um passado histórico real
distante do presente do romancista. Nestes eventos, há a presença de personagens históricas
bem conhecidas que aparecem com suas características de acordo com os episódios “reais†da
sua vida; segundo, há uma história fictícia sobre esse pano de fundo como episódios e
personagens que não existiram na realidade, mas com aspectos de quem poderiam ter existido
por encaixarem perfeitamente dentro do contexto histórico de fundo. Seus valores e demais
elementos ideológicos e morais formam uma atmosfera histórica envolvendo os fatos
narrados; terceiro, dentro da história fictícia é bastante comum, mas não necessariamente, a Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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presença de um episódio amoroso, quase sempre desventurado, cujo desenlace pode ser pode
ser feliz ou trágico; por último, a história fictícia constitui o primeiro plano da narração em
que se enfoca a atenção central do romancista e do leitor. O contexto histórico original, como
já mencionado, funciona somente como pano de fundo. Mesmo assim, isto não significa que
sua importância seja secundária, já que estão nele os elementos primordiais que configuram a
atmosfera moral, o espaço e o tempo do relato.
À guisa de sistematização, considera-se o modelo elaborado por Scott sob a
designação de romance histórico clássico por, principalmente, não “tocar†na História
deixando-a temporalmente distante, além de ater-se num enredo ficcional protagonizado por
personagens também ficcionais. Já os romances que subjetivam o tempo histórico, trazendo
para o primeiro plano da narrativa os eventos e os personagens que de fato existiram,
apresentando, assim personagens históricas nos papéis centrais, como é o caso de Xicoténcatl
e de tantos outros publicados nestes moldes na contemporaneidade, podem ser considerados
romances históricos tradicionais. Somente a partir da segunda metade do século XX surgem,
na América Latina, novas formas de se representar a história ficcionalmente. De maneira
bastante inovadora se comparada ao romance histórico tradicional, estas vertentes foram
denominadas: novo romance histórico (AÃNSA, 1991; MENTON, 1993); metaficção
historiográfica (HUTCHEON, 1991) – este conceito foi sistematizado como uma modalidade
de romance histórico por Fleck (2007); e romance histórico contemporâneo de mediação
(FLECK, 2008).
No presente trabalho, pela sua extensão e pelo foco num romance brasileiro produzido
na última década do século XIX, Os jagunços (1898), entende-se como desnecessário
apresentar maiores explicações sobre estas últimas modalidades de romances históricos, de
caráter elevadamente crítico, para voltar-nos, primordialmente, ao que aqui se vem
escrevendo sobre as características do romance histórico clássico e do tradicional, limiar entre
o qual se localiza a produção do romance brasileiro em foco.
No Brasil, durante o século XIX, o escritor que melhor se enveredou na escrita de
romances históricos, foi José de Alencar. Em obras como O Guarani e Iracema, por exemplo,
há a proeminência de elementos históricos conjugados com outros ficcionais. Estes romances
considerados indianistas se aproximam das características do que se expôs como sendo Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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romances históricos tradicionais. Acmeno Bastos faz um levantamento a respeito de outros
autores que por aqui praticaram a escrita de romances históricos no artigo “O romance
histórico no Romantismo brasileiro (além de Alencar)â€
1
. Entretanto, já nas linhas iniciais de
seu texto, lê-se o seguinte:
Apesar da indiscutível proeminência de José de Alencar, outros autores do
Romantismo brasileiro também praticaram o romance histórico. Não tanto
quanto seria de esperar-se, levando-se em conta ter sido o romance histórico
uma das tendências do período e haver coincidido com o próprio surgimento
da ficção em prosa no Brasil, na primeira metade do século XIX. Na verdade,
a corrente leva nítida desvantagem quando confrontada com outras, tais como
o romance urbano, ou o romance regionalista, ou o romance indianista, tanto
em termos quantitativos quanto, sobretudo, em termos qualitativos.
Contudo, em grande medida ultrapassadas as produções ficcionais fundamentadas nos
pressupostos românticos e já largamente difundidos na América Latina os romances Realistas
e os Naturalistas, além das teorias cientificistas em voga no continente europeu desde a
primeira parte do século XIX, Afonso Arinos, sob o pseudônimo de Olívio de Barros, publica
o romance Os Jagunços (1898), o qual conjuga elementos ficcionais com a apresentação da
recente história da Guerra de Canudos (1896-7). Este livro, escrito sob encomenda do jornal
O Comércio de São Paulo no qual Arinos era editor desde o final de 1896, teve uma tiragem
muito pequena, sendo reeditado somente em 1969, na sua Obra Completa. Voltando ao
período de sua primeira edição, Gaburo (2009, p. 13) escreve que “[...] o jornal O Comércio
de São Paulo teve um papel importante na virada do século XIX para o XX por ter uma
posição clara a favor da monarquia e contrária à recém-criada República, posição
compartilhada por Arinos já antes de assumir a editoria do jornalâ€.
Os Jagunços é um dos primeiros textos, dos mais extensos em relação à expressiva
quantidade de artigos publicados no “calor da hora†(GALVÃO, 1994) focalizando a temática
da Guerra de Canudos. Para Thomas Beebee (2007, p. 3), o romance de Arinos, junto com O
rei dos jagunços (1899), de Manoel Benício, e Accidentes da guerra (1905), de Egmydio
Dantas Barreto “[...] são os três primeiros “factions†a tratar o assunto de Canudos. [...] estes
autores evitaram os gêneros (relativamente) “puros†da Reportagem e da História, recorrendo
em compensação a um gênero misto que acrescenta à suposta veracidade à imaginaçãoâ€. O

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período da publicação dessas narrativas configura-se pelas mudanças de perspectivas e pelos
novos conceitos dentro da produção intelectual.
O fim da Guerra do Paraguai (1864-1870) encerra o período áureo do
romantismo e retoma uma agitação em torno da assimilação da consciência
de liberdade e independência. A Proclamação da República, a questão
religiosa em Recife e o fim da escravidão também concorreram para a
construção de uma nova literatura, mais realista, que revelava uma paisagem
menos romântica e mais atroz, ao mesmo tempo em que se acentuam as
discussões sobre identidade nacional, literatura nacional e nação. Essas
tendências que seguirão os intelectuais da literatura regionalista. (GABURO,
2009, p. 24).
Dentre esses acontecimentos que contribuíram para novas abordagens na produção da
intelectualidade brasileira, parece não ser incorreto afirmar que a Guerra de Canudos também
merece seu papel de destaque. A figura de Antônio Conselheiro, juntamente com seus
seguidores que se aglomeraram na fazenda abandonada de Canudos no ano de 1893, causou o
descontentamento de grandes proprietários de terra do sertão nordestino, da Igreja Católica e
dos representantes políticos da recente e ainda cambaleante República. Assim, após o
primeiro conflito entre pouco mais de uma centena de representantes da força policial com os
conselheiristas em Uauá, no final de 1896, e um segundo confronto destes com uma tropa sob
o comando do major Febrônio de Brito, outros dois ataques ao arraial de Belo Monte – assim
era denominada a comunidade do Conselheiro – foram organizados a fim de destruir aquela
organização de sertanejos “fanáticosâ€. O primeiro deles não logrou êxito, recuando após a
morte do seu comandante, o famigerado coronel Moreira César. Porém, as insistentes
investidas da quarta e última expedição sob o comando do general Arthur Oscar, em
aproximadamente quatro meses de muitas dificuldades em virtude, principalmente, da falta de
recursos médicos e alimentícios, derrotaria os quatro últimos defensores do arraial no dia 5 de
outubro de 1897.
As especulações em torno desse conflito entre as forças armadas republicanas e os até
então desconhecidos sertanejos repercutiram amplamente nos jornais brasileiros. Era quase
nulo o conhecimento que o “litoral letrado†do Brasil detinha sobre a composição geográfica e
demográfica do sertão. Assim, muitas acusações infundadas como a que pretendia relacionar
os seguidores de Antônio Conselheiro como fanáticos restauradores da Monarquia foram Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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largamente divulgadas. A configuração daquela gente que permanecia à margem da história
do Brasil há quase quatrocentos anos, só viria a ser apresentada ao grande público, porém não
satisfatoriamente compreendida, com o surgimento d’Os Sertões (1902), de Euclides da
Cunha. Essa obra foi bastante lida e discutida naquele período e ainda segue como motivo das
mais variadas interpretações na atualidade, ao contrário dos pouquíssimos estudos que foram
dedicados ao romance de Afonso Arinos que, se comparado a’Os Sertões, segundo Walnice
Nogueira Galvão (apud WEINHARDT, 1990, 49), Arinos e Cunha mostram
[...] pontos de aproximação (são contemporâneos, ambos moram em São
Paulo) e de distanciamento (pertencem a extração social diversa, freqüentam
círculos intelectuais diferenciados, têm opções políticas antagônicas),
detendo-se no confronto entre as obras, para concluir, sobretudo com base na
recorrência de imagens, ser provável que Euclides tenha lido e mesmo
utilizado o romance de Arinos como fonte ou ambos “se serviram de uma
outra fonte que deixou nas obras de ambos uma mesma e inconfundível
marcaâ€.
Uma das prováveis causas para a fraca repercussão do romance de Arinos e,
consequentemente, às poucas análises dessa obra, deve-se ao longo período que ela
permaneceu indisponível até sua segunda edição. Fatores como a abordagem da temática, a
linguagem empregada, o desenvolvimento da narrativa, etc., também podem ser analisados no
intuito de fundamentar especulações. Nesta direção, de acordo com o exposto até aqui,
buscar-se-á desenvolver uma análise d’Os jagunços para justificar alguns dos pontos
representativos dessa narrativa canudense.
Luis Pachola e a representação de um mundo
O romance Os jagunços, antes de sua publicação em livro, aparece em folhetins
diários no jornal O Comércio de São Paulo em outubro/novembro de 1897, isto é,
praticamente ao mesmo tempo do término da Guerra de Canudos. Dividido em duas partes, a
primeira tem quatro capítulos e ocupa cerca de um terço das páginas. Esta parte, concordando
com as palavras expostas por Weinhardt (1990, p. 51),Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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[...] decididamente fictícia, é toda dedicada a mostrar como é a vida do
sertanejo: meios de sobrevivência, estrutura social, festejos, princípios
morais, etc. É na segunda parte, composta de cinco capítulos, que se situa a
ação histórica. O fio narrativo é sustentado por uma personagem sobre a qual
não se encontra registro histórico, Luís Pachola, no princípio camarada de um
tropeiro e por quem desperta o coração da bela e faceira mulata Conceição,
protegida da família do fazendeiro que realiza a festa do Espírito Santo.
No capítulo inicial da primeira parte, intitulado “A encomendaçãoâ€, a personagem
Luís Pachola encontra-se, juntamente com seu patrão e um cachorro de nome Tigre,
pernoitando num rancho em que o terreno adjacente “[...] acompanhava a encosta de um
morro áspero e seco, onde apenas algumas touças de aça-peixe e moitas rareadas de capim
amarelento representavam a vegetação miserável†(ARINOS, 1985, p. 32). Nota-se já nas
primeiras linhas da narrativa o intento descritivo de peculiaridades da região, ainda em muitos
aspectos desconhecida pelos brasileiros do litoral, onde ocorreram os conflitos entre as tropas
republicanas e os conselheiristas. Além do lugar, o homem também recebe atenção especial
ao ser representado. A personagem Luís Pachola, de chapéu desabado na nuca e erguido na
fronte, tem no semblante tons de audácia e bravura. Sua altura é pouco mais que mediana, seu
peito é protraído, o rosto é oval e moreno e sua barba rala nas faces formam no queixo um
“capucho basto [...]. No seu passo macio, havia um bambolear de felino, que indicava ao
mesmo tempo a agilidade e a força†(ARINOS, 1985, p. 33).
Justificando a escolha do título desse capítulo, a personagem central do romance,
avisada pelos latidos inquietos do cachorro, depara-se com uma procissão em que as pessoas
se penitenciavam prostradas em terra com açoites. Para a personagem que representava o
patrão de Luís Pachola, “[...] aquilo é gente sem quefazer, que anda inventando esses ofícios
de defunto pelos cruzeiros do caminho†(ARINOS, 1985, p. 33). Percebe-se neste trecho
características representativas de alguns aspectos da particular religiosidade dos sertanejos
além do ponto de vista, por meio deste patrão ficcional que não era daquela região, de muitos
“coronéis†– grandes proprietários de terra – que não pensavam em outra coisa a não ser no
acúmulo, utilizando-se da mão de obra quase escrava dos sertanejos culturalmente
configurados de modo singular. Conforme Gaburo (2009, p. 34), a unidade narrativa d’Os
Jagunços é, em alguns momentos, “comprometida pelo excesso de descrições ou explicações, Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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que no caso específico tem a seu favor o fato de ter sido escrito a princípio para folhetim de
forma demasiadamente rápida, sem uma revisão necessáriaâ€.
Nas primeiras páginas desse romance, assim como nas posteriores, Afonso Arinos
busca contribuir para o conhecimento de uma significativa parte do Brasil. Este desejo já
havia sido expresso em artigo cujo título é “Campanha de Canudos†(O Epílogo da Guerra),
publicado no jornal O Comércio de São Paulo, em 9 de outubro de 1897, dia seguinte ao
anúncio da rendição dos conselheiristas. Demonstrando lucidez e recusando interpretações
imediatas, Arinos escreve que
[...] essa luta deveria merecer a atenção dos publicistas, para ser estudada,
não simplesmente na trágica irrupção e no desenvolvimento, mas em suas
origens profundas, como um fenômeno social importantíssimo para a
investigação psicológica e o conhecimento do caráter brasileiro. (apud
WEINHARDT, 1990, p. 50).
Ainda na primeira parte de Os jagunços, verifica-se a narração sobre a festa do Divino
Espírito Santo, na fazenda Periperi, onde muita gente da região comparece para os festejos.
Há descrições acerca das características daquele tipo de comemoração, das atividades dos
vaqueiros, além de introduzir-se no enredo o despertar da paixão que a personagem Luís
Pachola causa na personagem Conceição, jovem e bela sertaneja, e a morte trágica desta
última em decorrência dos ciúmes de Gabriel, personagem também representativa dos
vaqueiros extremamente envolvidos em tudo que lhes tocam nas questões de honra. É anterior
a estes acontecimentos, que aparece na fazenda uma figura singular com ares proféticos:
[...] apareceu no vão da porta o vulto magro e lívido do missionário. A barba
maltratada no rosto longo e escaveirado, a comprida samarra de algodão e os
pés nus, vacilantes, metidos em alparcatas de couro, denotavam as fundas
privações e o ascetismo. O dorso meio alquebrado e a cabeça inclinada, em
atitude de humildade, de quem esmola pelo mundo, pareciam espiritualizar
aquela figura esquia. Mas, nas têmporas proeminentes, nas maçãs pontudas,
no brilho estranho do olhar havia a energia brônzea do profeta e do
reformador. (ARINOS, 1985, p. 40).
Este personagem missionário o qual somente na segunda parte do romance é
explicitamente nomeado Antônio Conselheiro, impressiona Luís Pachola que, na sequência da
na narrativa, sente-se culpado pela morte de Conceição e acaba por deixar seu patrão, Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
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tornando-se um dos seguidores do Conselheiro e figurando entre os principais representantes
do peregrino no arraial de Belo Monte. A vida nesta localidade e o desenrolar dos conflitos
contra as quatro expedições das forças armadas republicanas são descritas em cinco capítulos
cujos títulos são: “A cidade santaâ€; “A expediçãoâ€; “Os fanáticosâ€; “A guerraâ€; e “O último
redutoâ€. É importante lembrar que o termo fanático, segundo a análise de Gaburo (2009, p.
120-1), embora possa sugerir
[...] uma adesão de Arinos ao pensamento corrente na época de classificar os
sertanejos de Canudos como fanáticos religiosos, loucos, desordeiros, numa
apropriação negativa do termo fanático, o autor caminha na direção contrária,
não só no capítulo, mas em toda a obra. O fanático de Afonso Arinos está
longe dessa configuração de marginalização e se volta unicamente para a
adoração da figura do Conselheiro, numa adesão completa aos ideais divinos
que se entendia emanar da sua figura.
Apesar do romance não destoar em relação aos apontamentos de informações
“oficiais†das fontes relativas à história de um evento recente, quase simultâneo à escrita do
romance, Afonso Arinos parece conseguir, em muitos aspectos, demonstrar por intermédio da
ficção aquilo que, no seu artigo já mencionado, aparece como a necessidade de uma
investigação psicológica e do conhecimento do caráter brasileiro. Em Os Jagunços,
[...] o narrador utiliza o artifício para, personificado em Pachola, frisar o
caráter humanitário do sertanejo, com passado e com sentimentos, quando a
maioria dos artigos da imprensa contemporânea retratava-o semelhante ao
animal irracional. Os aspectos domésticos e pacatos do cotidiano na cidade
[no arraial] são reforçados pelos encaixes de episódios amorosos e cenas
familiares. (WEINHARDT, 1990, p. 53).
Esta breve exposição dos aspectos presentes no romance de Afonso Arinos, apesar de
omissa em relação a muitas abordagens presentes nos estudos quase solitários, porém
expressivos como os sugeridos no artigo de Weinhardt (1990) e na dissertação de Gaburo
(2009), parece ser suficiente para desenvolver uma abordagem sobre pontos que permitem
considerá-lo um romance histórico tradicional, com ressalvas à questão da distância temporal
requerida entre a realização dos eventos passados e a sua ficcionalização pelo romancista.
Diferentemente da abordagem clássica representada pelo modelo scottiano, na escrita de Os
jagunços percebe-se a concomitância do tempo histórico com o tempo narrativo. Como ficou Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
de Estudos da Linguagem - Políticas linguísticas: diálogos, identidades e fronteiras
UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Cascavel-PR | 14 a 16 de maio de 2012 | ISSN 2178-8200
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exposto, o período da Guerra de Canudos e o da publicação do romance são quase os mesmos,
impossibilitando o distanciamento entre as abordagens fictícias e históricas.
A personagem Luís Pachola, apesar de não constar entre as figuras historicamente
relacionadas aos conflitos, insere-se como representativa do sertanejo estudado por Euclides
da Cunha e largamente analisado segundo as mais diferentes formas de expressão até a
atualidade. Pachola é uma metonímia dos conselheiristas, das gentes desconhecidas do sertão
por mais de três séculos. Não é problemática se comparada ao seu meio. Mas desde seus
encontros e confrontos com as tropas militares de um governo distante, ele e os seus pares
deparam-se com o mundo longínquo representado pelo “litoral†e pelas grandes cidades se
comparadas com as pequenas vilas percorridas pelo Conselheiro desde a década de 1870. Luís
Pachola, se tomado como parte totalmente integrada de uma sociedade singular como é o
sertão nordestino na época da guerra, insere-se no modelo de personagem instaurado por
Lukács em A teoria do romance (2000). Representa um herói que está ao mesmo tempo em
comunhão e em oposição ao mundo. Segundo Brait (1993, p. 39),
[...] a nova concepção de personagem instaurada por Lukács, apesar de
reavivar o diálogo a respeito da questão e de fugir às repetições do legado
aristotélico e horaciano, submete a estrutura do romance, e consequentemente
a personagem, à influência determinante das estruturas sociais. Com isso,
apesar da nova ótica, a personagem continua sujeita ao modelo humano [...].
Os sertanejos fundamentados em questões religiosas, festivas e de honra, têm na figura
da personagem Luís Pachola um representante cujas características Afonso Arinos teve o
cuidado e a audácia de elaborar, lucidamente, segundo a evidência das marcas de uma guerra
marcada por contradições. Desde sua eclosão e término, pode-se considerar que o sertão
nordestino, apesar de permanecer em grande medida político, econômico e socialmente à
margem das atenções do Brasil nação, ganhou muito mais evidência. Romances como Os
jagunços, além de tantas outras narrativas que transitam entre à história e a ficção, vem
contribuindo para que aquela parte do país, culturalmente distinta, se integre com todos os
direitos à unidade plural do Brasil e do contexto latino-americano. Anais do I Seminário Internacional de Estudos da Linguagem e III Seminário Nacional
de Estudos da Linguagem - Políticas linguísticas: diálogos, identidades e fronteiras
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Referências
AÃNSA, Fernando. La nueva novela histórica latinoamericana. Plural, n. 240. p. 82-85, 1991.
ARINOS, Afonso. Os Jagunços. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1985.
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultr

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