Calasans, figura luminar da cultura brasileira

José Paulino da Silva

No próximo mês de maio, de 23 a 27 do corrente ano, será realizado um seminário em homenagem ao professor José Calasans.

Texto: José Paulino da Silva (professor da ufs foi coordenador do projeto resgate da memória histórica de canudos - ufs, doutor em filosofia e história da educação - Unicamp)


No próximo mês de maio, de 23 a 27 do corrente ano, será realizado um seminário em homenagem ao professor José Calasans, ocasião em que serão rememorados dez anos de sua passagem para outra dimensão da vida. Este grande intelectual sergipano cuja vocação maior foi a de ter sido educador/semeador da palavra, fruto de laboriosas pesquisas como historiador e folclorista, não pode ter sua vida e sua vasta obra relegadas ao esquecimento.


Estudar a vida e a obra de um escritor é a melhor maneira de perpetuar sua memória. Conhecer seu pensamento, situar sua obra no tempo e lugar em que viveu, é tarefa que compete sobretudo às instituições de ensino, cuja missão é a de informar e formar novas gerações. A realização de seminários, congressos, simpósios são atividades acadêmicas que muito contribuem para dar visibilidade ao que se produziu sobre um determinado assunto ou a questões que merecem discussões para o avanço das ciências.


O seminário sobre Calasans, por ser uma realização conjunta do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e o da Bahia, acontecerá em Aracaju e, logo em seguida, em Salvador. A dupla localização se justifica pelo fato de se tratar de um autor cuja vida profissional e produção acadêmica foram desenvolvidas nestes dois Estados nordestinos onde continuam vivos os laços de parentesco e de amizade que ele tão bem sabia cultivar. A importância de sua obra como professor, historiador, folclorista, pesquisador, administrador serão objeto de análise por parte dos palestrantes do seminário.


José Calasans Brandão da Silva nasceu aos 14 de janeiro de 1915 em Aracaju, onde viveu sua infância e juventude e realizou sua formação básica de estudos das primeiras letras, curso secundário e científico. Os estudos de graduação ele fez em Salvador, onde em 1937, obteve o título de Bacharel em Direito na Universidade da Bahia. Exerceu as primeiras atividades como professor, historiador e folclorista em terras sergipanas. A partir de 1950 foi morar em Salvador. Na capital baiana iniciou suas atividades como livre docente da Universidade Federal da Bahia, instituição onde também foi Diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas e depois, Vice-Reitor. São muitas as instituições culturais a que, em Sergipe e na Bahia, Calasans dedicou sua capacidade de gestor público, seu talento de pesquisador e o melhor de sua influência de eminente professor/educador. Não era um intelectual de um tema só. O que mais se destacou de sua rica biografia de 86 anos, foi a persistência, com que ele se dedicou à pesquisa histórica sobre a guerra de Canudos, em especial, sobre a figura de Antônio Conselheiro e seus seguidores. Tema que ele reconhecia ter sido sua grande “paixão intelectual�.


Duas portas de entrada para a história de Canudos - A Guerra de Canudos é uma das páginas mais tristes da História do Brasil que aconteceu em 1896 a 1897 no sertão da Bahia. Antônio Conselheiro, cearense cujo nome de batismo era Antonio Vicente Mendes Maciel, também conhecido por outros apelidos como “Antônio dos Mares�, “Bom Jesus Conselheiro�, “Santo Conselheiro�, foi o líder e condutor de milhares de sertanejos pobres, ex-escravos, trabalhadores sem terra, vaqueiros. Após peregrinar 25 anos por estradas, veredas, vilas e pequenas cidades do sertão do nordeste, pregando e fazendo benfeitorias, o Conselheiro junto com seus seguidores, fundaram a cidade de Canudos às margens do rio Vaza Barris no sertão da Bahia. Canudos tornou-se uma experiência agrária bem sucedida. Aquela comunidade de sertanejos, em 1897, foi totalmente destruída com a guerra fratricida que lhe moveu o governo da época. Este trágico episódio da história do Brasil, durante muito tempo, foi pouco estudado nas escolas. Sua abordagem pelos livros didáticos era quase sempre omitida ou distorcida. A obra de maior referência sobre o assunto ainda é “Os Sertões� de Euclides da Cunha. Euclides como jornalista esteve no local da guerra. É graças a ele, que esta página da nossa história não se apagou na poeira do tempo, como se apagaram outros movimentos populares como Balaiada (Maranhão 1838-1840), Contestado (Santa Catarina, Paraná 1914), Caldeirão (Sul do Ceará 1936) que também foram abafados com violência pela elite dominante de então. Publicado pela primeira vez em 1902. “Os Sertões� é considerado porta obrigatória para quem quer entrar na história de Canudos. Como observa João Bosco Mendes, em seu livro “Euclides e o Conselheiro um grito do Nordeste�: Os Sertões “é antes de tudo um registro precioso de fatos, marcado com um toque pungente de humanidade, que o literato emprestou ao historiador.“ É impossível alguém ler Os Sertões e permanecer indiferente ao massacre a que foi submetida aquela comunidade de sertanejos.


Não é exagero dizer que a historiografia sobre Canudos tem dois grandes marcos: Euclides da Cunha com sua obra prima Os Sertões e Calasans, com o conjunto de suas pesquisas baseadas na história oral de Canudos - antigos moradores, filhos e netos de sobreviventes da luta, até então pouco utilizado como fonte de pesquisa histórica. O povo pobre enquanto protagonista, tanto da vida comunitária antes da guerra, quanto da defesa do arraial, passou a ter voz através de Calasans. Como ele mesmo disse ‘“interessou-me mais a gente sofrida do sertão do que a guerra fratricida e o próprio Bom Jesus , o grande líder de uma gente sofredora e resistente� (Entrevista concedida ao professor Antônio Fernando Sá, da UFS, publicada no Cadernos de História da UFS. Jan/jul.1997).


Generosidade do intelectual - Outra marca de sua personalidade de professor/pesquisador foi a disponibilidade com que sempre colocou os resultados de suas pesquisas para que outros prosseguissem nos estudos sobre o resgate histórico de Canudos. As obras produzidas sobre este assunto ultrapassam a qualquer outro fato da história do Brasil, inclusive o da escravidão negra. Esta vasta produção historiográfica muito deve a Calasans. São incontáveis a quantidade de pessoas que o procuraram para buscar um esclarecimento, pedir uma orientação, uma opinião, uma palavra de estímulo, uma crítica, enfim tudo o que estivesse ao seu alcance para esclarecer qualquer assunto referente a Canudos. Ele atendia a todos com simplicidade, inteligência e, sobretudo, generosidade, marcas de sua personalidade de mestre.


O seminário sobre Calasans será uma grande oportunidade para o enriquecimento cultural de quem tiver oportunidade de participar. Diria que é um momento imperdível para professores e estudantes, como os dos cursos de história e ciências sociais. Por ocasião do seminário será organizada pelos professores Gilfrancisco e Verônica Nunes uma exposição de livros publicados pelo professor Calasans. Acontecerá também o lançamento do livro ‘José Calasans: um olhar sobre Canudos’ que reúne artigos/depoimentos sobre o homenageado (trabalho organizado pelo professor e jornalista Gilfrancisco e publicado pela Editora Diário Oficial).


A organização deste seminário está sob a responsabilidade de uma comissão composta por professores de Sergipe e da Bahia: Gilfrancisco, Consuelo Pondé, Samuel M. Albuquerque, Antônio Bittencourt Junior. Sabemos que o êxito de um evento deste porte muito depende de apoio efetivo. Os organizadores, até o momento, já contam com o apoio dos governos dos Estados da Bahia e de Sergipe, através da Secretaria de Cultura, da Segrase, do Sistema Aperipê de Comunicação, além das Instituições de Ensino UFS, UNIT, UFBA e do JORNAL DA CIDADE e so semanário Cinform. Outros órgãos e empresas serão contactados para emprestar seu apoio e, certamente, não vão se negar em associar-se à homenagem ao ilustre sergipano/baiano professor José Calasans, figura luminar da cultura brasileira.


Coincidência? - Ao terminar este artigo, a campainha de minha casa toca e vou atender. Um funcionário do Correio me entrega um livro cujo remetente é o ex-aluno Policarpo Rodrigues Filho, diácono da Diocese do Crato - CE. O livro intitulado “FÉ em Canudos� é de autoria do Padre F. Montenegro (Edt ABC. SP Fortaleza). Ao abrir aleatoriamente aquele livro, deparo-me (na p. 7), com foto de meia página do rosto de Calasans, com os seguintes dizeres: “Homenagem In Memoriam – Ao Professor Dr. José Calasans -1915-2001 da Universidade Federal da Bahia – memória viva da história de Canudos, de sua gente e de seu líder. Estudioso que alimentou a chama sagrada da busca pela veracidade de uma história de oprimidos vilipendiados, deu alento a inúmeras gerações de pesquisadores que, felizmente, têm enriquecido os rumos que ele trilhou, ampliou e iluminou.�


- Poderia omitir ao leitor esta coincidência?